Você conhece o Salmo 151?
Não, você não foi traído pela memória, nem sua Bíblia veio com um problema de edição. O saltério que usamos é realmente composto por 150 salmos. Mas então, que história é essa de Salmo 151? Bem, este é um salmo atribuído a Davi, encontrado na Septuaginta, mas que não faz parte do nosso cânone do Antigo Testamento.
Estruturado em sete versículos, o salmo narra em primeira pessoa dois eventos fundamentais da história de Davi: sua unção como Rei (v. 1–5) e sua batalha com Golias (v. 6–7). Segundo afirma o próprio texto, sua composição teria ocorrido na ocasião da luta com o gigante filisteu.
A história
A Septuaginta é uma tradução do Antigo Testamento para o grego, feita por judeus séculos antes de Cristo. Segundo a tradição, essa obra teve início em Alexandria no séc. III a. C., quando Ptolomeu II convocou 72 rabinos para realizarem a tradução da Torá. O restante dos livros do Antigo Testamento foi sendo traduzido ao longo do tempo. Essa edição grega possui todos os livros da Bíblia Hebraica, correspondente ao Antigo Testamento dos protestantes e os livros incluídos na Bíblia Católica. Mas além desses, há também textos que não fazem parte dessas duas coleções, como Terceiro e Quarto Macabeus. As igrejas ortodoxas usam o cânone grego do Antigo Testamento; por isso, em suas edições da Bíblia o Salmo 151 está presente.
Por séculos, o Salmo 151 ficou relegado à Septuaginta e a algumas traduções feitas a partir do texto grego, como a Vulgata, a tradução da Bíblia para o latim. Porém, com a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, houve uma grande reviravolta na história desse texto.
Os Manuscritos do Mar Morto são uma coleção de textos encontrados a partir de 1947 na região de Qumran, na Cisjordânia. Esses textos foram produzidos por uma comunidade de judeus, conhecidos como essênios, no período entre o séc. II a. C. e o ano 70 da Era Cristã. Essa coleção continha livros do Antigo Testamento e outros textos não canônicos. Entre os pergaminhos encontrados, há um no qual aparecem dois salmos em hebraico profundamente relacionados com o Salmo 151. O primeiro deles, denominado 151a, apresenta a história da unção de Davi; já o segundo, denominado 151b, narra o combate entre Davi e Golias. Como já vimos, são exatamente esses os assuntos do Salmo 151.
Os textos encontrados em Qumran, principalmente o 151a, apresentam mais detalhes do que encontramos no Salmo 151 na versão grega. A comparação entre esses materiais tem gerado diversas teorias para explicar a relação entre os textos dos Manuscritos do Mar Morto e a versão da Septuaginta. Podemos pensar em duas grandes correntes. Em primeiro lugar, há aqueles que defendem que o texto hebraico, por ser maior e mais detalhado, é o mais antigo e que originalmente se tratavam de dois salmos distintos. Assim, a versão grega teria juntado os dois textos originais, omitindo trechos. Por outro lado, há quem defenda que a versão da Septuaginta é a mais antiga. Neste caso, haveria um original hebraico com apenas um salmo, que com o tempo foi sendo expandido e, em algum momento, dividido em dois. A polêmica persiste até os dias de hoje.
O Salmo
Depois de vermos um pouco da história desse texto por muitos desconhecido, ofereço abaixo minha tradução do Salmo 151, a partir da versão da Vulgata.
Este salmo foi escrito por Davi (embora esteja fora da numeração) quando este enfrentou Golias.
1. Eu era o menor dos meus irmãos
e, na casa do meu pai, eu era o mais jovem;
era eu quem apascentava as ovelhas do meu pai.
2. Com minhas mãos fiz uma harpa;
com meus dedos confeccionei uma cítara.
3. E quem anunciará essas coisas ao meu Senhor?
Ele próprio; o Senhor tudo ouve.
4. Ele enviou o seu mensageiro
e me retirou das ovelhas de meu pai
e me ungiu com o óleo da sua unção.
5. Meus irmãos eram belos e grandes,
mas o Senhor não se agradou deles.
6. Eu parti ao encontro de um filisteu
e ele me amaldiçoou com seus ídolos.
7. Eu, por outro lado, tomando sua própria espada,
cortei-lhe a cabeça e pus fim ao opróbrio dos filhos de Israel.
Bibliografia
AZEVEDO, Antonio C. do A. Dicionário histórico de religiões. Rio de Janeiro: Lexikon, 2002.
BRUCE, F. F. O cânon das escrituras. São Paulo : Hagnos, 2011.
SEGAL, Michael. The Literary development of Psalm 151: a new look at the Septuagint Version. Textus, v. 21, n. 1, p. 139–158, 2002.
SKEHAN, Patrick. The apocryphal Psalm 151. The Catholic Biblical Quarterly, v. 25, n. 4, p. 407–409, 1963.
St. Takla Haymanout Coptic Orthodox Website. The Deuterocanon. Disponível em <https://st-takla.org/pub_Deuterocanon/Deuterocanon-Apocrypha_El-Asfar_El-Kanoneya_El-Tanya__0-index.html>. Acesso em: 27/05/2020.